No post anterior eu fiz uma breve descrição do recente caso Nestlé/Greenpeace que rola nas redes sociais. No mesmo dia eu recebi alguns emails me perguntando o que a Nestlé deveria ter feito no caso.
A questão é que eu não tenho conhecimento suficiente para dar recomendações, afinal eu não estudei detalhadamente o caso, não tenho todos os elementos e não estou dentro do caldeirão. Estar dentro da empresa com tudo isso acontecendo faz muita diferença. Além disso, a cultura corporativa e as políticas de comunicação da empresa têm influência direta em qualquer plano de comunicação para uma crise como essa.
Para nós, que estamos na janelinha como espectadores do caso, é sempre mais fácil criticar e falar do que não deveria ter sido feito.
Apesar de tudo, eis algumas coisas que eu consideraria se eu estivesse vivendo este problema:
1- Formar um grupo de trabalho para monitorar tudo
Ao primeiro sinal de crise, um grupo de trabalho deveria ser montado para monitorar tudo que está saindo a respeito nas mídias sociais, imprensa, etc. Nestas horas, o mais importante é estar bem informado;
2- Analisar se vale a pena ficar calado
Quase sempre ficar calado pode ser uma boa estratégia corporativa. Mas ficar calado pode gerar duas percepções. Pode significar que a empresa não deu importância para o tema, não tem o rabo preso e está segura da situação. Mas também pode significar que a empresa não sabe o que dizer, está sendo negligente e tem medo de se expor. Portanto, saber entender até quando vale a pena ficar calado é uma ciência não exata. Mas, como eu disse antes, muitas vezes o "ficar calado" funciona bem. O barulho acaba desaparecendo por não existir alguém fazendo o contra-ponto. O caso pode até fazer um burburinho no início, mas depois vai deixando de ser relevante. No caso em análise, talvez a Nestlé devesse ter ficado quieta um pouco mais de tempo antes de emitir o press release.
3- Implementar um vigoroso plano de comunicação interna
Essa é uma ação muito importante e básica. Eu implementaria uma ação emergencial de comunicação interna para todos os funcionários da empresa, no mundo inteiro. Expor um posicionamento corporativo oficial para os colaboradores é sempre desejável, até porque serão milhares de colaboradores reverberando a mensagem da empresa para a sua roda de influência, como familiares, amigos, etc. Não fazer isso é dispensar o potencial colaborativo dos quase 300 mil funcionários da Nestlé mundial.
Se antecipar, explicar a eles o que está ocorrendo, dar a versão oficial da empresa e explicar como cada um pode ajudar é muito importante. A empresa não pode negligenciar o exército que tem a seu favor. Nesta ação, torna-se importante orientar como os funcionários devem se comportar em relação às denúncias, aos emails recebidos de amigos, o que sai na imprensa e até comentários de familiares. Se a empresa for um pouco mais aberta e ousada, ela permitiria e incentivaria que os funcionários entrassem nas redes sociais para se posicionar perante as denúncias, calúnias e eventuais exageros que sempre rolam nestes casos. Abrir este precedente para os funcionários é um pouco ousado para as empresas mais tradicionais, que normalmente numa situação de crise preferem confinar o controle e escolher um único porta-voz ou centro de comando para trabalhar na crise.
4- O press release da Nestlé
Eu acho que a Nestlé não deveria ter respondido à denúncia no YouTube via um press release publicado na área de imprensa em seu site. Quando algo explode numa mídia, a resposta da empresa preferencialmente deve ser dada na mesma mídia. O jogo deve ser jogado no mesmo campo que o inimigo joga. Isso significa dizer que se uma empresa sofre um problema nas redes sociais, então o foco inicial de trabalho deve estar confinado às redes sociais. Não é recomendável que a empresa comece a usar outros meios para tratar o problema, como ações com a imprensa ou uso de publicidade. Fazer isso vai gerar mais repercussão, vai levar o assunto para mais pessoas que não tinham conhecimento do caso, ou seja, vai aumentar a audiência e "colocar no ventilador". O caso da Nestlé é um exemplo disso. O problema começou num vídeo no YouTube e se tornou viral, mas estava confinado nas redes sociais. O número de pessoas impactadas até então estava limitado às redes sociais, milhões de outras pessoas não sabiam do problema porque não são pessoas online. Quando a Nestlé publicou o press release, ela apresentou o problema para outras platéias, inclusive a imprensa, aumentando a repercussão e o número de mídias falando sobre o problema. Enfim, a Nestlé colocou mais lenha na fogueira.
Quando a Nestlé decidiu responder à denúncia, eu acho que ela deveria ter usado a mesma tática do Greenpeace. Ou seja, a minha sugestão seria a empresa criar um vídeo educativo e esclarecedor, mesmo que fosse feito as pressas e de forma caseira, para ser postado no YouTube. Seria uma resposta no mesmo nível e na mesma mídia do Greenpeace, permitindo que a discussão sobre o tema continuasse confinada às redes sociais.
5- Ação no Facebook
Em relação ao Facebook, minha recomendação seria que a Nestlé criasse uma página no Facebook dedicada ao caso. Ou seja, ela deveria criar uma página exclusiva com documentos, vídeos, fotos e textos mostrando que a denúncia do Greenpeace é equivocada. Esta nova página deveria estar completamente desvinculada da página corporativa da empresa no Facebook e deveria ter um nome que mostrasse que a página foi criada para falar do caso. Por exemplo, poderia ser: "O equívoco do Greenpeace", ou "A Nestlé e a verdade dos fatos". Isso faria todo o movimento existente hoje na página oficial corporativa da Nestlé sobre o assunto ser deslocado para uma página dedicada. Ali o pau pode comer a vontade. Isolar a discussão é muito importante. A maior preocupação aqui é evitar que a denúncia do Greenpeace se mantenha na página oficial da Nestlé como o principal assunto.
6- Imagem e Percepção
Será necessário a implementação de um plano vigoroso de mudança de percepção em relação ao caso. Este será um trabalho de médio e longo prazo, pois não existem dúvidas que a denúncia do Greenpeace vai gerar ainda muita repercussão e danos a marca. É capaz até de virar um caso de gerência de crise a ser analisado futuramente nas escolas de comunicação.
7- O equívoco da Nestlé
De tudo que aconteceu até agora, talvez o maior equívoco da Nestlé tenha sido a forma como ela cuidou do caso em sua página no Facebook. O fato de deletar comentários postados pelas pessoas e responder alguns de forma institucional e automática foi o que gerou mais calor na web. Existem milhares de pessoas que não pretendem e nem querem saber se a denúncia é verdadeira ou não, o que elas querem é entrar na onda de ver uma grande empresa passar por apuros e se sentir ameaçada. Portanto, todo cuidado é pouco no tratamento às mídias sociais.
Enfim, estas são algumas poucas ideias que poderiam ser consideradas neste caso. Em tempo, vale a pena ver o post "What Nestlé should do, in 4 steps" de Scott Gould.
E você? O que faria se estivesse no cockpit da Nestlé?
9 comentários:
Mauro, tenho acompanhado o caso da Nestlè todos os dias. Em um certo ponto, o responsável da Nestlè pela moderação do perfil se posicionou da seguinte forma: “Aqui é a nossa página, definimos as regras, sempre foi assim”. Moderação ou ditadura? Censura em um ambiente (2.0, 3.0, como seja chamado) que por conceito é vinculado à transparência, a escutar? A partir do momento em que uma empresa se lança em redes sociais deve aceitar as regras do jogo e não querer redefiní-las e, caso queira agir desta forma, que se utilize de outra estratégia, mas não uma estratégia SOCIAL. A gestão de conteúdo pelo usuário não é só uma tendência, uma febre. É uma realidade, que deve envolver principalmente o diálogo, a mediação, o bom senso.
Mandou mal.
Estou contigo Mauro, uma iniciativa de comunicação interna teria sido uma boa idéia. Pelo menos é o que parece para nós aqui de fora!
Mas nesse terreno todo eu fico com o pensamento do Oscar Motomura... pensar nos paradoxos primeiro e tê-los bem claros e definidos.
Pq no caso de enfrentar uma ação assim... já temos todo um plano de contingência preparado.
Abraço à todos!
Apesar do autor reconhecer que não está bem informado sobre o assunto, propõe uma abordagem de contra-ataque, independentemente do mérito da questão, alegando que o Greenpeace está errado. Não posso concordar, nem como cidadão, nem como observador da cena digital. Primeiro, por uma questão ética. Depois, porque não é possível manipular as informações como acontece nos canais exclusivos aos detentores de recursos financeiros. Antes a empresa deve estar sintonizada com seu tempo e não ser a vilã da história.
Prezado Anônimo.
O propósito do blog é discutir sobre práticas em marketing e comunicação corporativa. No caso Nestlé/Greenpeace, meu objetivo foi discutir as táticas que uma empresa como a Nestlé poderia implementar para tratar da crise. Em nenhum momento eu pretendi comentar que tem razão no caso. Para tomar partido, eu precisaria estudar muito mais o caso, mas eu nunca me pronunciaria neste blog dando razão para um lado ou outro.
Enfim, agradeço o comentário, mas acho que você não entendeu o propósito do meu blog e do meu post. Obrigado. Mauro.
Ei, Mauro.
Fiquei pensando sobre essa tática "Analisar se vale a pena ficar calado".
Como sou uma leitora recente do blog, ainda não encontrei algum texto seu abordando esse assunto. Então, não sei a sua opinião sobre essa postura.
Porém, acho que essa é a pior estratégia a ser usada em tempos de hipervalorização das redes sociais.
As empresas não podem ter medo do contraditório. Quando elas se negam a falar, estão corroborando mais uma vez para uma prática antiquada de gestão.
Passo por isso quase sempre no meu meio profissional (sou assessora de imprensa) e certas atitudes, sinceramente, me dão nos nervos: "vamos deixar esse assunto morrer", "vamos deixar o cara falar sozinho. Daqui a pouco ele para", "como assim dar importância a esse e-mail? Coloca na pasta de 'sem noção'".
É como o Luís Fábio destacou muito bem, apesar de ter abordado uma questão diferente. A partir do momento em que uma empresa se lança em redes sociais, ela deve aceitar as regras do jogo. O diálogo é uma delas.
Mauro, como sempre brilhante! E concordo com vc de que a Nestlé deveria ter usado as mesmas mídias em que foi atacada e mais, que deveria ter se planejado para as redes sociais e como atender às demandas! Abraços, Carol Terra (http://meadiciona.com/carolterra)
Fernanda.
Concordo com você quando diz que na era das redes sociais as empresas não devem fugir do diálogo. Aliás, elas devem incentivar e procurar o diálogo.
No caso da Nestlé, a questão maior não é de diálogo, mas de uma potencial crise que pode gerar sérios danos à marca, reputação e credibilidade. Saber a hora de falar e o que falar faz toda a diferença. Entender o contexto, os impactos, a repercussão e os envolvidos são elementos importantes de análise e decisão. E isso toma tempo.
Quando eu escrevi no post "ficar calado", meu foco principal era referente à ação da empresa de emitir ou não um comunicado público, e mais difícil ainda é saber a hora certa de publicá-lo.
Sobre a empresa conversar nas redes sociais, especialmente no caso da Nestlé e sua página no Facebook, eu acho que a empresa deve sim se pronunciar e se posicionar claramente em sua página. O desafio é sempre os comentários acalorados, emocionais e passionais, que trazem mais confusão e afastam o diálogo. Infelizmente existem muitas pessoas que não estudam o caso, não se preocupam em saber se a denúncia é verdadeira ou não, o que elas querem é criar polêmica.
Termino meu comentário deixando uma pergunta:
No caso da Nestle', quem deveria entrar no Facebook e responder os comentários das pessoas? O pessoal de comunicação da empresa? O pessoal do departamento jurídico? O presidente? Os diretores? Enfim, quem ficaria sentado de frente para a tela do computador e teria a responsabilidade de estabelecer, em nome da empresa, o tal diálogo com centenas e milhares de pessoas no Facebook? Enfim, quem estaria representando a voz de uma empresa de 300 mil funcionários diante de tal crise?
Obrigado por visitar o meu blog e pelo excelente "insight". Abraços. Mauro.
Mauro, lembro do caso do WalMart quando um fornecedor foi incluído na lista de empresas que supostamente ainda utilizava trabalho escravo na sua produção. "Suspende o contrato!" disseram eles. No caso da Nestlé, quando o caso veio à tona, a primeira coisa a fazer era dizer a todos (consumidores, Greenpeace, sociedade,etc) "Obrigado pela denúncia, vamos verificar hoje mesmo e suspender o contrato se as denúncias forem confirmadas. Acompanhem no nosso blog/site/twitter boletins diários sobre o andamento das providências". Pra mim, é simples assim!
Perfeito o que o Johnny Cantarelli, disse.
Assino embaixo.
Postar um comentário