terça-feira, 13 de setembro de 2016

A Bel Pesce em cada um de nós


Há alguns anos, eu estava num TED com uma amiga, que é presidente de uma grande empresa no país, tomando um café e conversando despreocupadamente. O salão estava cheio e ao longe caminhava uma jovem apressada. Ao identificá-la, a minha amiga sorriu e gritou seu nome: “Bel!” Elas se olharam à distância e sorriram. A jovem veio ao nosso encontro e ambas deram um caloroso abraço. Em seguida, fui apresentado a ela: “Essa é Bel Pesce”.  Eu recebi um demorado abraço da minha nova amiga, acompanhado de um sorriso farto. Foi assim que eu me apaixonei pela Bel Pesce: amor à primeira vista. Ela contou que havia concluído um novo livro chamado “A menina do Vale 2” e estava iniciando uma excursão pelo país para divulgá-lo. Esse livro vinha no rastro do enorme sucesso do seu primeiro livro “A menina do Vale” e o papo seguiu a partir desse tema.
 
No mesmo dia, eu pesquisei quem era Bel Pesce. Digitei seu nome no Google e surgiram milhares de textos, imagens e vídeos. Procurei dados sobre sua formação e experiência e fiquei encantado com tudo que li, ainda tão jovem mas com um história de vida inteira para contar. Sem dúvida, ela tinha uma formação eclética, única e bem diferente da média dos jovens mais brilhantes que eu conheço. Nas semanas seguintes, troquei alguns poucos e-mails com ela, sempre com respostas demoradas e alegação de agenda lotada e viagens. A minha relação com a Bel terminou num daqueles e-mails, com longos intervalos sem resposta, nunca mais nos falamos.
  
Duas semanas depois daquele efêmero encontro no TED, recebi numa rede social um convite para um hangout da Bel, marcado para um domingo às 23h. O convite falava que ela conversaria com internautas sobre aprendizados, eventos, tendências e novidades, e um dos assuntos seria o TED. Fiquei curioso e entrei no hangout no dia e horário marcados. Depois de cinco minutos do hangout iniciado a Bel já tinha mais de duas mil pessoas acompanhando ao vivo, postando comentários e demonstrando um engajamento em nível máximo. Após duas horas de conversa, a timeline do hangout já tinha milhares de comentários escritos por internautas, quase todos encantados com a Bel e debatendo com fervor os temas discutidos por ela.
   
A energia da Bel é extraordinária e contagiante. Foi ali que eu concluí que eu estava diante de alguém especial. O número de ouvintes cresceu nos hangouts seguintes, cada sessão parecia juntar mais pessoas e eu passei a tentar entender o fenômeno que estava diante dos meus olhos. Ela demonstrava uma excepcional capacidade de comunicação, carisma, boas ideias e super entusiasmo. Também explorava ao máximo o conceito da “Menina do Vale”, era evidente o quanto as pessoas ansiavam em ouvi-la. Curiosamente, a cada hangout que eu participava, o meu desinteresse pelo conteúdo apresentado aumentava. Ela continuava sendo consistente em suas conversas, sempre com brilho nos olhos, mas eu sentia falta de profundidade, histórias práticas e relatos que eu realmente pudesse aplicar no meu dia a dia. Com o tempo eu concluí o óbvio: a Bel, como qualquer jovem, tem pouca “quilometragem rodada”; apesar de sua boa formação e boas ideias, faltava a vivência necessária para me trazer o que eu queria ouvir.
    
Eu não considero os livros e as palestras da Bel direcionados para mim. Seus livros são bem montados e bem escritos, porém me parecem mais motivacionais do que educacionais, não apresentam conteúdo muito inovador e nem têm muita profundidade. O conteúdo produzido por ela sempre me pareceu um misto de mensagens de motivação com o “O Alquimista” do Paulo Coelho, mesmo assim, estou convencido de que existe um contingente enorme de pessoas que apreciam esse tipo de mensagem e conteúdo que a Bel oferece. Ela realmente sabe motivar as pessoas, abrir cabeças e gerar entusiasmo, suas palestras são desejadas e seus vídeos vendem.
   
Quando li a primeira vez sobre a FazInova, fui tentar entender do que se tratava. O conceito e a proposta são boas, mas a FazInova ainda é conhecida como o projeto da Bel Pesce. Uma das razões é que o projeto ainda é recente, a FazInova ainda está em seus passos iniciais, tentando encontrar o caminho, portanto é prematuro esperar que a curto prazo essa escola entregue resultados concretos e seja considerada uma referência em empreendedorismo. Para o projeto decolar é preciso incorporar pessoas com calos nas mãos e cicatrizes nas costas, gente que colocou a mão na massa e tem experiência real de empreendimentos, de sucesso ou não. Conheço muitas pessoas que se lançaram em empreendimentos que não deram certo. São pessoas que caíram e levantaram, buscaram outros caminhos, caíram de novo, se levantaram novamente e estão aí na vida construindo seus sonhos e projetos. Esses deveriam ser abraçados na FazInova e por outras organizações que pretendem não apenas incentivar, mas ajudar o empreendedorismo com substância concreta, provendo uma escola de modelos de negócios com metodologias, alternativas de financiamento e experiência real de campo.Nesse sentido, como todo jovem, a Bel ainda carece de histórias de vida para se posicionar como uma empreendedora experiente, com ensinamentos e aprendizados práticos para compartilhar. Talvez isso justifique encontrarmos em seu site mensagens do tipo: “Bel é uma grande defensora de que todos os sonhos são atingíveis e de que a força está dentro de cada um de nós. Sua história possui episódios completamente improváveis e Bel acredita piamente que qualquer pessoa é capaz de alcançar os seus sonhos”. São mensagens motivacionais e inspiracionais, que são notadamente reforçadas em sua atuação no programa “Caderninho da Bel” da rádio CBN, que avalio ser um programa dispensável, com conteúdo de pouco valor.
  
Olhando tudo que já foi publicado a respeito desse episódio, inclusive a resposta dela nas redes sociais, fica evidente que a Bel exagerou na forma como ela apresentou a sua vida até agora, sua formação e experiência. Realmente não foi legal. Não concordo com uma amiga que publicou a seguinte frase em defesa da Bel: “Quem nunca inflou o seu currículo?” Eu tenho uma resposta para ela: eu! Nos dias de hoje, as pessoas não compram você pelo que você vende de você mesmo, mas sim pelo que você faz e entrega. Aceitemos ou não, mas títulos, currículos e medalhas não têm mais valor como antigamente. Talvez até nos faça dar um pouco mais de consideração por quem está na nossa frente, pode nos incentivar a dar dois minutos de atenção em vez do um minuto tradicional, apenas isso, nada mais. O importante é o conteúdo e valor que você entrega. Seja generoso e as pessoas serão generosas com você.
  
Apesar de tudo que falei acima, de me incomodar com a expressão marqueteira “garota do Vale”, de condenar o excesso exercido por ela própria em sua autopromoção, do ufanismo exagerado que a mídia dedica à sua personalidade e da descrição desproporcional que ela faz de sua formação, eu ainda acho que ela tem conteúdo de valor para ajudar pessoas e projetos. Ela dará a volta por cima e continuará tendo um contingente de pessoas desejando ouvir suas histórias. Ela saberá tirar lições de tudo que está passando e se tornará uma pessoa melhor. Teremos uma Bel Pesce mais bem preparada e com mais conteúdo quando o tsunami passar. Ela é talentosa e tem toda uma vida ainda pela frente. Não foi por acaso que ela fez apresentações no TED, deu entrevistas nos principais programas da TV brasileira e ganhou vários reconhecimentos públicos, como ser eleita pela revista Época como uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil em 2012.
  
A Bel está sofrendo um escrutínio público. Ela está no meio de uma crise de imagem. Podemos até discutir se o mundo está sendo justo com a Bel ou não, mas o fato é que as mesmas “headlines” que a transformaram em menina prodígio, agora a transformaram em vilã. Vivemos a era da superficialidade onde as pessoas têm pouco tempo para se aprofundar e refletir sobre os fatos, por isso casos como esse se agigantam em pouco tempo e ganham evidência. A Bel continua sendo a mesma menina brilhante de sempre, nada mudou, com os mesmos atributos e histórias que a qualificaram até hoje como uma jovem de sucesso.
  
Como disse um amigo meu, não se aprende a fazer gerenciamento de crises sem passar por crises. Ironicamente, o momento atual da Bel poderá ser a experiência mais prática e dolorosa que ela já viveu na vida até agora. Além das palestras de criatividade e empreendedorismo que ela apresenta, em breve ela terá mais uma em seu currículo: gerenciamento de crise pessoal. E nessa aí ninguém vai poder reclamar que ela não tem experiência prática para compartilhar. Acho que vem novo livro por aí. Esse eu vou comprar.  
     
O descrito acima é o meu ponto de vista sobre o caso, totalmente pessoal. Agradeço a meus amigos que responderam o meu pedido no facebook sobre percepções nesse caso da Bel Pesce. Agradecimento especial a Maria Eugênia Rocha que me inspirou muito, mas também ao Gil Giardelli, Fabio Seixas, Diego C. Silva, Betania Almeida, João Gabriel Chebante, Renato Muller, Marcio Okabe, Emerson P. Pires, Ricardo Fernandes, Carlos A. de Toledo, José Carlos Cunha, Vanessa Pugliese, Bernardo Miranda, Diego D. Moreira, Marco Marcelino e Giulia De Marchi.


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quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Os riscos de associar uma marca a uma pessoa

  

Lembro muito bem de uma situação de grande aprendizado vivida há mais de 20 anos. Essa minha experiência teve como pano de fundo uma série de debates e reuniões com o Diretor de Relações Externas da empresa a respeito de um projeto de patrocínio. Apesar de ter acabado de assumir o comando de comunicação de marketing, eu ainda era uma espécie de aprendiz de feiticeiro da área, tudo era novidade. Sob a pressão de construir projetos inovadores, surgiu na nossa frente uma oportunidade maravilhosa de patrocínio. O retorno sobre o investimento mostrava-se espetacular e a oportunidade parecia imperdível.

A questão é que o projeto de patrocínio estava ligado a uma personalidade nacional, uma pessoa admirada por todos, com uma reputação inbalável e querida por toda a mídia. Associar o nome da empresa a essa personalidade parecia ser maravilhoso, pois essa pessoa agregaria atributos importantes para a marca. Foi um projeto que a minha equipe vinha desenvolvendo arduamente, com características inovadoras e inexistentes no mercado. Como aprendiz da área, obviamente, cometi equívocos e erros que poderiam ter sido evitados. Um deles é que deixei para conversar com o Diretor de Relações Externas muito tarde. Quando cheguei nele, o desenho do projeto já estava num estágio muito adiantado.

Lembro muito bem da conversa inicial. Ele questionou o projeto desde o primeiro minuto. Não tinha nada contra a pessoa, aliás, ele afirmou várias vezes ser um admirador voraz dessa personalidade, mas achava um risco muito grande associar a marca da empresa a uma celebridade. Ou seja, seu argumento era conceitual e não dizia respeito ao nome envolvido. Ele não recomendava seguirmos em frente com um projeto daquele tipo, independentemente da personalidade ou do nome em questão.

Seu receio se baseava em dois simples pontos:
– que o nome da pessoa se sobrepujasse à marca da empresa;
– que algum problema pessoal daquela personalidade, desconhecido e/ou imprevisível, pudesse impactar os atributos da marca, podendo até causar uma crise, o que prejudicaria tremendamente a credibilidade da marca.

Ele dizia que, por mais inabalável que fosse a reputação de tal pessoa, fatos imprevistos e situações impensadas poderiam reverter o cenário e colocar em risco a marca da empresa. Acho que ouvi isso dele mais de “mil vezes”.

O projeto proposto era, inicialmente, de doze meses. Isso significava dizer que, ao longo do tempo, a associação da marca da empresa com a personalidade iria se fortalecer, a ponto de os atributos dos dois lados se misturarem. O executivo tinha muito receio dos riscos envolvidos, apesar de todas as evidências mostrarem que as ameaças eram mínimas e controláveis. Eu, na minha ingenuidade e inexperiência, achava-o excessivamente conservador e não conseguia ver riscos sérios. Eu queria a todo custo colocar o tal projeto inovador no ar, pois tinha certeza de que ele traria excelentes resultados para a empresa. Enfim, foram várias discussões e muitas análises feitas até a tomada de decisão.

Conto toda essa história por causa da notícia que ocupou os jornais nas últimas semanas: a mentira do nadador Ryan Lochte para encobrir a sua noite de baderna tropical durante os Jogos Olímpicos no Rio. Cinco grandes patrocinadores anunciaram o cancelamento dos contratos com Lochte. Segundo o cálculo de especialistas da ESPN, antes do incidente, o nadador contava com aproximadamente um milhão de dólares em cotas de patrocínio. Além da enorme perda financeira, o Comitê Olímpico e a federação de natação dos Estados Unidos sinalizaram que Lochte poderá ser punido por tais entidades. Ou seja, o que já é muito ruim, pode piorar ainda mais.

Histórias similares são bem conhecidas, apenas mudam os personagens e as marcas. Um dos casos famosos ocorreu com um dos atletas mais admirados no mundo: Michael Phelps. No início de 2009, uma foto do Phelps fumando maconha explodiu na imprensa. A imagem dele era tão forte na época que as caixas de sucrilhos da Kellog’s carregavam a imagem do atleta estampada em grande estilo. Phelps era sinônimo de sucesso, saúde e código de conduta. Era difícil imaginar que algo pudesse abalar esse fenômeno. Afinal, o que poderia acontecer a um campeão olímpico como ele, na época com 23 anos, com toda uma carreira ainda pela frente? O fato é que o improvável, inconcebível ou inacreditável aconteceu.

Outro caso bastante conhecido é o de Tiger Woods, que também ocorreu em 2009. O escândalo de infidelidade conjugal do maior jogador de golfe americano de todos os tempos causou sérios impactos aos seus patrocinadores diretos. Ele era considerado, tal como Michael Phelps, um exemplo de atleta, cidadão e ser humano. Todo mundo queria se associar a ele. Em pouco tempo, os patrocinadores foram abandonando o atleta e tratando de gerenciar uma situação improvável e complicada. Nos anos seguintes, Woods saiu do noticiário e sua imagem perdeu o encanto.

Como desvincular as marcas desses acontecimentos? Essa é uma pergunta curta que sempre exige uma resposta longa. Empresas com marcas fortes têm que pensar muito a respeito da estratégia de associar suas marcas a uma personalidade, por mais “segura” e inabalável que seja a imagem do personagem em questão. Os exemplos de Lochte, Phelps e Woods são casos evidentes dos riscos de tais estratégias.

Sobre a minha história…

O projeto era o patrocínio ao Jô Soares, quando a IBM colocou na mesa do Jô, no seu programa Jô Onze e Meia, um notebook onde ele acessava a internet ao vivo. Isso ocorreu na década de 90, quando a internet começava a despontar e chegar a nossas vidas. Foi a primeira vez que isso foi feito na TV, em todo mundo. Foram quase dois anos contínuos no ar, de segunda a sexta, com grande sucesso e impacto na mídia. O diretor da IBM era Roberto Castro Neves, uma das maiores autoridades de comunicação corporativa do País, hoje consultor e autor de vários livros de comunicação. O projeto foi adiante e gerou grande retorno para a IBM, que naquela época buscava popularizar sua marca, pois ainda era conhecida como fabricante de PCs. Os nomes IBM e Jô Soares ficaram intimamente conectados durante aquele período.

Vai aqui um abraço saudoso ao amigo e mestre Roberto Castro Neves. Com ele, aprendi os fundamentos da comunicação e do relacionamento com a imprensa. Ele tem responsabilidade direta na minha formação e pela minha decisão de seguir na carreira. Agradeço a ele por ter suportado um “garoto” repleto de energia, insistente e muitas vezes inconsequente. Com ele, amadureci muito e me tornei um profissional melhor.

Texto baseado em um post que escrevi anos atrás. A história se repete.


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