Imagine a situação abaixo.
Lúcia, idade 25 anos, é uma funcionária da empresa XYZ há menos de dois anos. Um certo dia ela teve uma oportunidade única. O presidente iria dar uma palestra interna para centenas de funcionários e ela foi convidado. Lúcia compareceu, sentou em uma das primeiras filas e prestou muita atenção em tudo que o presidente falou. Ele falou sobre planos futuros da empresa e apresentou alguns dados estratégicos. No dia seguinte, Lúcia entrou em seu blog pessoal e escreveu um post comentando algumas coisas que havia escutado na palestra do presidente, inclusive algumas das informações estratégicas citadas por ele e que a empresa nunca havia divulgado publicamente.
Pergunta: O que você faria neste caso? Qual deveria ser ação da empresa?
A resposta parece difícil, né? Mas não é não. A resposta fica difícil pois faltaram elementos fundamentais na história acima para contextualizar o caso.
Então vamos acrescentar alguns dados adicionais no caso contado. Vamos pensar na mesma história, porém em dois cenários distintos:
Cenário 1:
A empresa onde Lúcia trabalha tem uma cultura corporativa de transparência total. O presidente costuma aparecer na imprensa falando sobre os planos da empresa. A empresa é um grande anunciante e sua publicidade é ousada. O presidente tem o costume de falar e compartilhar suas visões com os funcionários através de reuniões e emails. Ele acabar de lançar um blog interno e está dando os primeiros passos nisso. Os funcionários são sempre convidados a opinar e dar seus comentários. É uma gestão muito participativa. A palestra em que Lúcia participou foi um dos vários encontros que o presidente teve com seus empregados ao longo do ano. Apesar da empresa estar dando os seus primeiros passos na web 2.0, ela já publicou na intranet um guia corporativo a respeito do uso de mídias sociais por seus funcionários. Aliás, todo funcionário recém-contratado recebe este guia em seu primeiro dia de trabalho.
Cenário 2:
A empresa onde Lúcia trabalha tem uma cultura corporativa de falar pouco. O presidente raramente é visto e tem pouquíssimas interações com os funcionários. A empresa tem pouca presença na imprensa. Existe uma preocupação reconhecida com o vazamento de informações e um rigoroso controle de acesso a dados estratégicos. A hierarquia organizacional tem forte influência nos relacionamentos internos. A empresa não permite que seus funcionários acessem redes sociais, MSN e YouTube. O próprio acesso a internet, apesar de liberado, as vezes é questionado e controlado. Não existe nenhuma intenção ou conversa a respeito da introdução de mídias sociais dentro da empresa, portanto não existe nenhum guia corporativo a respeito. O presidente costuma falar uma vez por ano com seus funcionários. A Lúcia teve a sorte de ter sido convidada na única oportunidade em que o presidente falou neste ano.
Agora, com estes dois cenários nas mãos, imaginando que você é o líder de comunicação ou de RH da empresa, o que você faria? Ficou mais fácil pensar nas alternativas, né? Mas já antecipo que não existem respostas 100% certas.
Enfim, independentemente das ações que cada um de nós tomaria nos cenários acima (posso até falar sobre isso em outro post se houver interesse), o exercício proposto é evidenciar que qualquer atitude a respeito do uso de mídias sociais nas empresas sempre passará por duas análises fundamentais: a cultura corporativa e a política de acesso e uso de ferramentas web 2.0. Esses dois fatores criam condições completamente únicas, especiais mesmo, para analisarmos uma mesma situação.
Por isso é que eu fico repetindo que a introdução das mídias sociais não é uma questão da área de comunicação, da área de TI, da área de RH e do "blogzinho" do presidente. Estamos falando de cultura corporativa. É algo que transcende uma mera decisão corporativa. Não adianta a empresa decidir implementar o blog do presidente se não existir uma cultura corporativa madura que sustente tal decisão, Também não adianta pensar em web 2.0 se não existir uma política de uso definida, disponível e conhecida pelos funcionários (definir e disponibilizar é mais fácil, o difícil é fazer cada funcionário conhecer e entender).
Enfim, contei toda esta história pois tive um encontro recente com uma empresa que estava pensando em lançar o blog interno do presidente. A empresa tem uma cultura histórica de controle da informação, pouca transparência e hierarquia pesada. Ninguém soube me dizer muito bem qual seria o principal objetivo do blog além da velha retórica de "aproximar o presidente dos funcionários". E, por fim, prá piorar, ninguém pensou em desenvolver um guia para explicar aos funcionários como eles devem usar o blog. O que você acha? Vai dar certo?
9 comentários:
respondendo a última pergunta do seu post: é muito pouco provável que o blog desse tal presidente dê certo. Isso acontece com frequência - a idéia de lançar um blog, mas sem nenhuma estratégia. O blog em si não aproxima presidente de colaboradores. O que aproxima é a transparência total e, como vc disse, uma cultura corporativa aberta.
Beth
Para o blog dar certo, seria necessário que o Presidente da tal empresa, abra as portas para a web 2.0 e aumente o estreitamento entre os funcionários das diferentes áreas e hierarquias. Assim vejo a situação...
Mauro, no momento estou realizando um curso de Gestão de CRM e Marketing de Relacionamento na FACHA. Que tal um post sobre o tema? Gostaria de ouvir (neste caso, ler rs) sobre o que o senhor tem a nos dizer
Um abraço, Vinicius Feher
Com certeza não. Provavelmente as informações serão superficiais, cerceadas, a ponto de não trazer nada de relevante. Mesmo na era da web 2.0 as informações ditas estratégicas continuarão existindo e não poderão ser divulgadas a qualquer tempo. Afinal, nenhuma empresa vai expor seus planos de negócios antes de concretizá-lo, nenhum lançamento deixará de ser preparado e assim por diante. Daí a necessidade do estabelecimento de uma política que oriente líderes, comunicadores e funcionários sobre o que compartilhar. Ser transparente não é escancarar tudo, mas sim compartilhar informações que possam contribuir tanto com a comunidade interna, quanto externa da empresa. Parece que a web 2.0 evidenciou ainda mais o velho problema que existe em muitas empresas – falta de comunicação interna. Não ter comunicação interna não significa não ter veículos, como newsletters, jornais, intranet, linha direta com a liderança ou outros meios. Mas sim, significa não ter uma idéia clara nem mesmo processos para isto. Começar um blog, seja ele interno ou externo, sem antes rever como são os processos de comunicação da empresa é como construir uma casa pelo telhado.
Neste caso a empresa não tem parâmetro para mensurar se irá dar certo ou não, pois não sabe explicar nem os objetivos de tal ação, muito menos definir metas de relacionamento que quer atingir.
A empresa que estou hoje se encaixa bem no cenário 2.
Mateus
Pode até dar certo, mas nao é só uma atitude isolada (no caso, o blog do presidente) que irá mudar a imagem da empresa ou aproximar as camadas hierárquicas da corporaçao. Outras açoes teriam que ser tomadas, dependendo de qual for o objetivo.
OBS: Gostei da sugestao do Vinícius de dedicar um post ao Mkt de Relacionamento, me interesso bastante pelo tema.
Fernanda
Mauro, em ambas as situações, tanto de cultura partipativa, quanto em cultura de poder, uma política de conduta nas redes sociais se faz necessária. No primeiro caso, no entanto, se a política já existe, vale um bate-papo do gestor de comunicação com a funcionária explicando o que é confidencial ou não, estratégico ou não. No segundo caso, cabe também à comunicação monitorar o que é dito sobre a empresa e avaliar as ações a serem tomadas. A Comunicação tem papel crucial neste novo cenário. Abraços, Carol Terra (http://rpalavreando.blogspot.com)
Artigo importante. Compartilhei-o no meu Facebook. As empresas que desejam criar blogs corporativos devem, antes de qualquer ação, compreender as características da mídia, definir e comunicar claramente os objetivos, a política e demais regras do jogo. Atendendo a esses pré-requisitos, é possível que dê certo. De uma forma ou de outra, Mauro, as "narrativas sociais" estão amalgamando negócios, cultura e sociedade. A internet fornece a "liga". Mas, entendo que ainda vivenciamos um período de transição. Discutir os problemas e compartilhar as dúvidas (como você tem feito brilhantemente através deste ótimo blog) certamente nos ajudará a chegar, ponderadamente, às soluções adequadas. Abs, Claudio Soares.
Oi Mauro!
Passei por aqui para agradecer o comentário no meu post sobre Geração Y do blog Foco em Gerações!
Que bom que você gostou e que bom que conquistei mais um leitor!
Seu blog também é ótimo! Passarei por aqui com frequência!
Sobre o e-mail do Luis Felipe, vou tentar conseguir, aí te passo, ok?
Um grande abraço,
Mari Coimbra
Vinicius. Seria ótimo se eu pudesse escrever algo na linha que você pediu, mas acho que eu não tenho nada de novo ou nenhum ponto de vista diferente sobre o tema. Talvez o tempo me ajude a repensar isso. Tenho que confessar que não me programo muito no que escrevo em meus posts. A coisa acontece meio por acaso, conforme vou lendo os jornais, a web e tudo que me aparece pela frente. E também a minha experiência no dia a dia, que é sempre muito inspiradora. Enfim, vou pensar mas não prometo. E, uma coisa importante, não me chame de senhor não. Não mereço tanto. Abraços. Mauro.
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