Na maioria das vezes as crises empresariais com a opinião pública vêm de fora para dentro, como consequência de fatos que não estão no controle ou no radar das organizações. Isso é normal e faz parte do jogo. O duro de engolir é quando a crise tem origem numa ação despretensiosa da empresa – ou seja, a culpa tem origem nela própria. Fatos assim não são muito comuns, mas o ocorrido, dias atrás, é o exemplo notório de que o monstro da crise está sempre à espreita nas grandes empresas.
Nesse mês de julho, o Banco Santander enviou a carta "Você e seu dinheiro" para seus clientes da categoria "Select" (com alta renda) comentando sobre o cenário econômico brasileiro, ação rotineira na comunicação regular do banco com seus correntistas. O fato é que no meio do texto havia uma frase que dizia que a subida da preferência do eleitorado pela reeleição da Dilma teria como consequência a deterioração da economia brasileira. A carta dizia o seguinte: “Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão, o câmbio voltaria a se desvalorizar, os juros longos retomariam a alta e o índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes. Esse último cenário estaria mais de acordo com a deterioração de nossos fundamentos econômicos”.
O que era uma simples carta transformou-se numa crise a partir da repercussão do conteúdo. Em plena corrida eleitoral, o fato ganhou as páginas dos jornais e virou um debate acalorado.
O governo e o PT reagiram. O desconforto foi tão grande que o banco publicou um comunicado em seu site afirmando que o texto não reflete, de forma alguma, o posicionamento da instituição: “O referido texto feriu a diretriz interna que estabelece que toda e qualquer análise econômica enviada aos clientes restrinja-se à discussão de variáveis que possam afetar a vida financeira dos correntistas, sem qualquer viés político ou partidário. Sendo assim, o banco pede desculpas aos clientes que possam ter interpretado a mensagem de forma diversa dessa orientação, e reitera sua convicção que a economia brasileira seguirá sua bem sucedida trajetória de desenvolvimento”.
A mensagem do Santander ocupou espaço de destaque na capa do site durante todo o final de semana. Não havia meio de entrar no site sem ler a mensagem. Veja abaixo.
Achei muito corajosa a publicação do comunicado. Uma possível ação seria enviar uma carta esclarecedora somente para os clientes Select, aqueles que receberam a carta inicial, assim a situação ficaria confinada a um número limitado de pessoas. Ao publicar um comunicado aberto na capa do site, o Banco levou o caso ao conhecimento de todos: cidadãos, interessados, imprensa e, principalmente, seus clientes, sem filtros ou critérios. A partir desta ação o caso ganhou visibilidade ainda maior. O conteúdo do comunicado foi excelente, especialmente quando a empresa pede desculpas e afirma que o texto enviado a um segmento de clientes não reflete o posicionamento da instituição. Certamente a franqueza e transparência do Santander foi apreciada por todos.
Segundo matéria do O Globo no último sábado, 26 de julho, a direção mundial do Santander enviou uma carta à presidente Dilma com um pedido formal de desculpas, assinada pelo presidente mundial do banco. Tal fato mostra o impacto e a gravidade do caso, além de evidenciar como ele foi tratado dentro da empresa.
Não faltaram besteiras ditas por aí e publicadas pela imprensa. Alguns falaram em "terrorismo eleitoral e digital", outros falaram que o banco "faz campanha aberta contra Dilma". Tudo perda de tempo. O que ocorreu foi uma pequena negligência e falta de atenção no conteúdo do texto enviado para os correntistas. Certamente foi escrito pela equipe de economia do banco que não conseguiu sacar que uma afirmação como aquela poderia ter alguma consequência de interpretação ou viés político. Sim, foi uma falha, até imperdoável, mas muito plausível, que poderia ter acontecido também em outras empresas ou situações.
Não duvido nada que este tipo de afirmação esteja sendo escrita em outros "papers" de economistas que estão avaliando o cenário econômico nos próximos meses. O problema é que esta carta do Santander alcançou milhares de clientes importantes e alguns se incomodaram com a comunicação do Banco. Acredito que se o texto tivesse sido revisto por alguém mais atento da área de comunicação do banco esse possível risco teria sido detectado. Cabe dizer que, em anos eleitorais, todas as organizações ficam muito mais cuidadosas e atentas a qualquer tema com conotação política ou que passe perto do processo eleitoral. Na dúvida, o melhor é ficar calado.
Enfim, o desgaste da publicação do comunicado e o envio da carta de desculpas para a presidente são reconhecimentos do Santander que alguém pisou na bola. Agora cabe gerenciar o desconforto, tratar do arranhão na imagem e rever processos e "guidelines" internos para que situações como esta não voltem a ocorrer. Lições para todos :)
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