segunda-feira, 30 de março de 2015

Quando a demissão joga a favor da equipe


Há muitos anos atrás, num dos meus primeiros empregos, trabalhei numa empresa que estava se expandindo e contratando muita gente. No dia da minha entrada iniciaram comigo mais dois novos colegas de trabalho. Um deles se chamava Roberto. Ficamos sob a gestão de um mesmo gerente, que comandava um grupo de aproximadamente 20 pessoas. O clima era bom e o gerente parecia ser uma boa pessoa.

Em menos de três meses eu percebi que Roberto era um sujeito complicado. Ele não gostava de trabalhar, era pessimista de carteirinha, sempre achava que o copo dele estava mais vazio, sempre reclamava de tudo, falava mal de todos, mostrava insatisfação com a empresa, nunca demonstrava entusiasmo e influenciava a todos. Quando ele chegava de manhã no escritório, raramente dava "bom dia", parecia que carregava uma nuvem preta na cabeça, pois ele incendiava o grupo e todos entravam na pilha da insatisfação e pessimismo dele. Ele era realmente uma pessoa desagradável.

Para resumir a história, Roberto transformou o grupo num time de infelizes trabalhadores. Após um ano de sua entrada na empresa, quase metade do grupo pediu demissão do emprego. Foi uma debandada. Todos, inclusive a gerência, tinham consciência da influência devastadora de Roberto e de que ele era a principal razão de tudo que estávamos passando. Mesmo assim, mesmo após todos os danos e a destruição do grupo, a empresa ainda levou meses para tomar a decisão de demitir Roberto. Aquela foi uma lição aprendida.

Por que as empresas demoram tanto tempo para demitir alguém incompetente e perverso para o grupo? Por que as empresas aceitam conviver com péssimos influenciadores? Por que os gerentes procrastinam tanto na hora da tomada de decisão de uma demissão?

Segundo Lucy Kellaway, os gestores adiam essa decisão por três motivos: eles se apegam a vã esperança de que a pessoa vá mudar (ela quase nunca muda), eles relutam em admitir que fizeram uma escolha errada, e eles recuam da situação desagradável que é demitir alguém.

Depois da experiência descrita acima, recebi uma oferta de emprego e fui para outra empresa. Após meses de trabalho, a empresa contratou um novo diretor, vindo de fora da organização. Lembro que em apenas dois dias ele demitiu um analista financeiro que tinha muito tempo de casa. Perguntado por que ele demitiu aquela pessoa tendo apenas dois dias de convivência, ele respondeu: "Como posso conviver com um analista financeiro que se diz sênior, mas não responde às perguntas e não sabe usar Excel?" Nunca mais esqueci essa resposta dele.

Desde então eu aprendi a mapear muito bem quem são os bons e os maus colegas no trabalho e, principalmente, quem são os principais influenciadores da equipe. Com o passar do tempo eu desenvolvi uma teoria simples, porém não é propriamente uma novidade, pois já vi versões variadas do meu conceito. Ao longo de 20 anos como gerente fui testando e desenvolvendo o conceito. Incrivelmente ele funciona na maioria das vezes. Chamei esse conceito de 2-6-2.

Num grupo de 10 pessoas no trabalho, é possível identificar duas supermotivadas, otimistas e para cima. Por outro lado, no mesmo grupo, somos capazes de identificar duas pessoas rabugentas, pessimistas, que influenciam negativamente o grupo e que estão sempre para baixo. Por fim, existem seis pessoas que são observadoras, influenciáveis e que às vezes são influenciadas pelos positivos, ora pelos negativos.

O conceito 2-6-2 pode ter variações numéricas, mas quase sempre é infalível. O sucesso da equipe vai depender de quem tem mais poder e influência sobre as pessoas observadoras. É nesta hora que o gerente tem que atuar, privilegiando e destacando os positivos. Se isso acontecer, a equipe se contagia e o espírito positivo prevalece dentro do grupo. Camaradagem, parceria e entusiasmo passam a imperar se o pêndulo do grupo estiver favorável. Cabe ao gerente saber identificar esses perfis positivos e dar maior espaço para eles no dia a dia.

Não estou dizendo que ter pessoas menos positivas seja de todo ruim. Muitas vezes pode ser interessante ter alguém mais crítico, mais duro e questionador dentro do grupo, alguém menos confiante e até, às vezes, uma espécie de ovelha negra. Mas este não deve ser o espírito reinante. Pense nisso. Pense no grupo onde trabalha e faça o exercício. Escolha estar do lado do colega certo em seu trabalho. Fique perto de quem passa boa energia, tem espírito de time e acredita numa sociedade melhor. Vai ficar bem mais fácil trabalhar assim.


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segunda-feira, 23 de março de 2015

No mundo atual dormir é para os fracos


Este post nasceu de um livro perturbador: "24/7 Capitalismo Tardio e os Fins do Sono" de Jonathan Crary, Editora Cosac Naify. A mensagem do livro é exatamente como me sinto: a "minha agenda" não é mais minha.

Eu tenho falado nos últimos anos que a vida do trabalho invadiu a vida pessoal e que eu não consigo ter uma agenda equilibrada por conta disso. Isso é verdade, mas é uma verdade parcial. O problema não é apenas o trabalho. A vida como um todo ficou de pernas para o ar. O controle da minha vida não está mais propriamente comigo, mas está sujeito às demandas, estímulos, armadilhas e novas explorações que chegam a mim de todas as formas. Vou explicar melhor.

O pano de fundo da transformação que estamos vivendo vem da fusão dos mundos real e virtual. Com a internet invadindo o nosso dia a dia, através dos dispositivos que temos nas mãos e das redes sociais que nos rodeiam, estamos submetidos 24 horas por dia a uma infinidade de conteúdo espetacular, as vezes muito mais interessante do que a realidade que nos cerca.

Quando o mundo digital começou a surgir, eu pensava que ele só faria sentido e só daria certo se ele fosse uma extensão da vida real. E continuei pensando assim durante muito tempo. Hoje eu vejo que errei. O mundo virtual não necessariamente tem que estar conectado com o mundo real, muitas vezes ele parece ser melhor e mais interessante do que a dura realidade em que vivemos.

Na verdade, a situação é até pior. O nosso dia a dia real parece que perde importância se ele não tiver uma extensão no mundo online. Intuitivamente nós esperamos que a nossa vida diária continue na esfera digital. Aliás, Mr. Crary fala em seu livro que "as atividades da vida real que não têm seu correlato online se atrofiam ou perdem relevância".

A internet, as redes sociais, a mobilidade total e as novas tecnologias nos transformaram em seres dependentes tecnológicos. Somos consumidores ansiosos de conteúdo, de todos os tipos e em todas as formas. Antigamente, nós tínhamos que buscar esses conteúdos, mas agora eles chegam por todos os lados, sem pedir. E vai piorar com as tecnologias vestíveis e com outras tecnologias que ainda nem imaginamos. Existe uma infinidade de conteúdos sensacionais 24 horas por dia. Tudo parece ser mais estimulante e divertido do que a realidade.

A nossa agenda de vida mudou depois de tudo isso. O tempo todo somos desviados de nosso caminho por estes estímulos que recebemos, seja na esfera de nossas vidas pessoais, seja nas nossas vidas profissionais. Novas demandas, novos interesses, mais interlocutores e influenciadores das nossas vidas jogaram o controle da nossa agenda no lixo. Já não temos mais controle de nossas agendas e interesses. Navegamos de um lado para outro, descobrindo coisas novas o tempo todo, numa fusão surpreendente entre os mundos real e virtual.

O dia de 24 horas, definitivamente, não é mais suficiente. Não dá mais tempo para dormir, estamos o tempo todo conectados, atentos, consumindo conteúdo e nos relacionando com pessoas, sejam elas conhecidas ou não. No mundo atual, dormir é para os fracos. Dormir é o único momento em que realmente não estamos conectados. Talvez cheguemos a uma sociedade em que dormir seja ruim, indo além da mera sensação de perda de tempo que alguns de nós já sentem.

Mr. Crary afirma que o consumidor sem sono está a caminho. Nos últimos cinco anos o Departamento de Defesa dos Estados Unidos tem investido na pesquisa de uma espécie de pássaro chamado pardal-de-coroa-branca que tem a incrível capacidade de permanecer acordado por até sete dias consecutivos. Isso ocorre no outono, quando eles voam do Alasca até a Califórnia, num percurso superior a 4.300 km, e também na primavera quando fazem o caminho inverso. Durante essas migrações, esses pardais voam a noite e procuram por alimento de dia, sem descansar e dormir. Pesquisadores têm investigado a atividade cerebral dos pássaros durante esses longos períodos de vigília, com a expectativa de obter conhecimentos aplicáveis aos seres humanos, e descobrir como as pessoas poderiam ficar sem dormir e funcionar produtiva e eficientemente. O objetivo inicial é a criação do soldado sem sono, ou seja, desenvolver métodos que permitam um combatente ficar sem dormir por pelo menos sete dias e, no longo prazo, duplicar esse período, preservando alto níveis de desempenho mental e físico.

Durante os séculos, as inovações na esfera militar, especialmente nas guerras, foram rapidamente aplicadas na sociedade em geral, por isso parece evidente que o soldado sem sono será o precursor do trabalhador e do consumidor sem sono. Não existem dúvidas de que o surgimento de produtos contra o sono seria um mercado promissor para as empresas, tornando-se um estilo de vida ou necessidade para muitos de nós.

A distinção entre vida pessoal e profissional está desaparecendo. Horário do expediente é algo que já não faz mais sentido para muita gente. O trabalho parece ser ininterrupto. Você responde um email de trabalho dentro do cinema. Você checa a programação do cinema e compra os ingressos dentro do escritório. A sua casa as vezes é seu escritório. Parece que tudo conspira para nos transformarmos em trabalhadores 24 horas por dia.
O mesmo ocorre com o consumo. Não precisamos mais de lojas ou shoppings para comprar, apenas o desejo e um click.

Se você tem mais de 50 anos, pense em seus relacionamentos quando era adolescente. Eles se limitavam à sua família, aos colegas de escola e aos amigos e vizinhos de bairro. Estas eram as suas comunidades. Hoje as redes sociais e as tecnologias nos colocam em contato com o mundo todo. Estamos a um click de nos relacionar com quem imaginarmos. Hoje podemos saber o que um desconhecido tomou de café da manhã no outro lado do mundo, basta ele postar algo no facebook ou no instagram.

Nesse contexto maluco em que vivemos, a minha agenda não está mais sob o meu controle. Eu penso que está, posso até acreditar pensando dessa forma, mas não está. Aprender a conviver com essa nova realidade é um exercício cotidiano. E você, está tranquilo?


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segunda-feira, 16 de março de 2015

O Spotify e o prazer de escutar boa música

Na minha adolescência eu adorava comprar discos, especialmente LPs, tinha prazer em cuidar dos discos mais queridos e tê-los à minha disposição. Anos mais tarde me tornei um colecionador compulsivo de CDs, depois DVDs, cheguei a juntar centenas. Com o passar do tempo, o transtorno e a conveniência começaram a se tornar barreiras intransponíveis. As mídias ficavam amontoadas em estantes e gavetas. Como guardar, organizar e levar tantas músicas comigo?

O Spotify absolutamente subverteu tudo isso. Ele coloca quase todas as músicas do mundo em nossas mãos, pagando uma mensalidade super acessível. Como sou uma pessoa que viajo muito e passo muito tempo no trânsito, o Spotify me permite carregar tudo que desejo de música, montar playlists próprias, conhecer músicas diferentes, de diversas partes do mundo e descobrir um monte de bandas novas. Enfim, é uma revolução. Tudo no smartphone, no tablet e no PC, sincronizados, tudo salvo na nuvem, com uma qualidade excepcional e muito fácil de pesquisar e selecionar o que deseja.

Entrar no Spotify e procurar por novidades é um prazer. Ficar pesquisando, experimentar ouvir coisas novas, me permitir conhecer músicas e tendências de outras partes do mundo é uma satisfação imensa. As vezes me dou conta que passo horas navegando a esmo pelo Spotify. Adoro fazer minhas corridas ouvindo música. Trabalhar ouvindo música instrumental, ou clássica, também está começando a virar uma mania. Compartilhar playlists com amigos também é bacana. Enfim, O Spotify me trouxe de novo o prazer de ouvir música, de todos os tipos, em todas as ocasiões. Já experimentou?  


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terça-feira, 3 de março de 2015

A difícil arte de dizer NÃO quando todos dizem SIM

Esse caso é verdadeiro e aconteceu comigo, mas o nome é fictício.

Uma vez trabalhei numa empresa que tinha um enorme contingente de força de vendas. Vendíamos produtos básicos, de pouco valor agregado. O foco da organização era preparar vendedores agressivos, com grande capacidade de persuasão e obstinados por resultados. Obviamente que o clima era de constante pressão, o que implicava numa rotatividade regular de funcionários. Porém, surpreendentemente, havia aqueles considerados intocáveis, aqueles que sempre alcançavam ou superavam suas metas, mesmo nos períodos mais difíceis da economia e mercado.

Havia um vendedor cujo nome era Moacir, carinhosamente chamado de Moacirzão. Tal apelido tinha origem no seu jeito de ser, de falar, um pouco bronco, rude nas palavras, alto, um pouco gordo, sempre usando roupas apertadas, e esbaforido. Apesar do seu estilo parecer incompatível com o que imaginamos de um vendedor de sucesso, Moacirzão era um dos melhores vendedores da equipe, constantemente na frente da maioria e sempre regular em seus resultados. Os clientes o adoravam, pois ele estava sempre disponível, cultivava uma relação saudável e de transparência nas relações comerciais e sempre tomava a iniciativa quando alguma coisa não funcionava. Era uma máquina de trabalhar, sempre motivado e nunca feliz com seus resultados, sempre queria mais.

Certa vez, com o crescimento da operação comercial, a empresa resolveu criar uma nova posição de gerente de vendas. Tal gerente assumiria parte da operação e ele passaria a ter 12 vendedores sob seu comando. A diretoria analisou as possibilidades e avaliaram que era hora de reconhecer o Moacirzão.

Passados alguns meses, a diretoria convoca toda a equipe de vendas, pouco mais de 300 pessoas. Todos foram convidados para uma reunião no auditório, uma espécie de kick-off de vendas. Sem avisar ninguém, nem o próprio Moacirzão, os diretores explicaram a evolução da empresa e informaram que o crescimento dos negócios estava permitindo criar uma nova gerência de vendas.

Moacirzão não tinha ideia do que estava acontecendo. Como sempre, com seu tradicional estilo introspectivo, ele estava lá atrás do salão, doido para terminar aquilo tudo e sair para visitar clientes, fazer aquilo que ele sabia fazer muito bem: vender.

No final da reunião geral, o diretor sobe ao palco e avisa a novidade: a criação de uma nova gerência de vendas. De repente, sem menos esperar, ele cita com orgulho que Moacirzão, pelo seu histórico de resultados e paixão pela empresa, foi escolhido para ser o novo gerente, e chama-o ao palco. Constrangido, sem saber muito bem o que se passava, Moacirzão é empurrado pelos colegas para frente do grande auditório. Ele se arrastou, envergonhado em seus sapatos surrados, olhando o reverberar das palmas e caminhando trôpego para o palco. O diretor entrega o microfone. Moacirzão olha para ele. Era a primeira vez que tinha um microfone nas mãos e que tinha que falar para tantas pessoas.

Balbuciando e falando com sofrimento, Moacirzão disse algo mais ou menos assim: "Eu agradeço muito tudo isso. Eu não sabia. Eu não estava preparado". E virando-se para o diretor: "O senhor me desculpe pelo que vou falar, mas eu não vou aceitar não. O meu negócio é vender, é sair pra rua, estar com meus clientes. É isso que eu sei fazer e quero continuar fazendo. Não quero ficar no escritório longe dos clientes e mandando nos outros". E devolveu o microfone para as mãos do diretor, com a plateia boquiaberta e um silêncio constrangedor. Andando lentamente, com a cabeça baixa, Moacirzão desceu do palco e voltou para o fundo do auditório.

Nas semanas seguintes, Moacirzão pouco apareceu no escritório, talvez um pouco constrangido com tudo aquilo. Foram as semanas em que ele bateu todos os recordes de vendas. Nunca ninguém chegou perto dele nos resultados em tão pouco tempo.

Essa é uma história real que eu presenciei. Saber falar não quando todos diriam sim é uma arte.


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